terça-feira, 29 de março de 2011

A saga dos meus polegares opositores


As mulheres da minha família são bordadeiras, tricoteiras, cozinheiras, costureiras prendadíssimas, há umas três gerações. Eu sofri mutação genética. Tesoura escolar sem ponta é instrumento perfuro-cortante com potencial letal nas minhas mãos.

Na escola, fugia de trabalhos manuais. O terror era fazer maquetes. Um educador da Gestapo deve ter criado a prática para torturar alunos e desperdiçar recursos do planeta. E eu passava a semana inteira fazendo a maquete do prédio do colégio. O resultado era uma reprodução sem escala de uma escola bombardeada em Saravejo.

Minha mãe, artista e prendada, sempre me salvava. Talvez fosse vergonha do produto final do meu esforço craft. E eu entregava maquetes que poderiam ser expostas na Bienal de Arquitetura. Quando ela parou de fazer meus trabalhos manuais, os professores devem ter achado que sofri um derrame cerebral.

Atualmente, cozinho com a carteira do convênio médico à mão. No caso de amputação acidental, não sujo de sangue a bolsa, procurando o documento, na entrada do pronto socorro.

Com tanta habilidade, passei a considerar os designers de embalagem os sucessores dos educadores da Gestapo. Por que projetam frascos tão difíceis de abrir? Nem o velho e bom abridor de latas salva. Será um complô contra a mulherada que vive sozinha? Com a última embalagem, fiz praticamente um Kama Sutra de posições para tentar abrí-la. E ela reina absolutamente lacrada em cima da pia da cozinha à espera de uma solução.

Depois de superar a saga escolar de trabalhos manuais, tenho que ser cuidadosa, no supermercado, quanto às armadilhas das embalagens invioláveis. Além de passar fome com a comida inacessível, morro de desgoto ao pensar que se dependesse do meu polegar opositor, certamente a humanidade estaria nas cavernas. Ou melhor, estaria nas cavernas, procurando um disk pizza, amaldiçoando o maldito fogo que não consegue fazer batendo pedrinhas.

domingo, 27 de março de 2011

Trazer de volta a pessoa amada

Escrever é fazer despacho de palavras, na encruzilhada de parágrafos. É distribuir oferendas de frases. Traz de volta a pessoa amada. Nesse caso, o próprio autor.

sábado, 26 de março de 2011

Amar é fazer as malas da alma

"Amar é mudar a alma de casa", ensinou Mario Quintana. E que a Granero trabalhe mais na vida de todos nós. 

Fiquei emocionada ao receber o convite de casamento de casal amigo que espera um bebê. Fui invadida por um calorzinho de esperança e também saudades.

Querer amar é  desejo de fazer as malas da própria alma. Entretanto o amor é agência de viagens em alta temporada, não respeita itinerários e nem horários para alçar vôos.


"O amor não se tem na hora que se quer, ele vem no olhar
Sabe ser o melhor na vida e pede bis quando faz alguém feliz"
Marcelo Camelo



 

quarta-feira, 23 de março de 2011

Zécutiva: meu melhor salário não tem preço

Recebi um abraço sorridente de um jovem colega agradecendo nossos bate-papos, enquanto atravessava o fim do seu casamento. Alguns dias antes, ganhei mais abraços lambuzados em lágrimas de uma funcionária. Ela voltou para o batente, depois de um ano de afastamento lutando contra um câncer, período em que a empresa tentou minimamente ampará-la.

Fazer o ótimo invés do bom, quando se trata de pesoas, é o melhor investimento que um profissional pode fazer em sua carreira. Por que as melhores realizações profissionais são aquelas para as quais não somos pagos em dinheiro. Afinal, se trabalhar fosse bom mesmo, holerite não existia.

terça-feira, 22 de março de 2011

Sobre caçadas (d)e homens

"Eu não tenho estilo de homem, tenho pressa", escutei de uma amiga, incinerando o próprio filme numa roda de amigos em um bar. Sorri amarelo. Estou em fase completamente oposta. Não corro mais atrás nem do garçom para alcançar a bandeja. Se tiver que provar, que seja servida, sem esforço.

Sempre ouvi do alto da filosofia masculina de meus irmãos que para treinar qualquer bola serve. Mas cansei de bola de meia. Se não pintar bola de couro, não treino. E mudar de esporte, definitivamente não é minha praia. Mas talvez tenha que levar um lanchinho na bolsa, para não ficar faminta a esperar o garçom.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Parfum du Tostex

Agüo (me recuso a abandonar o trema) o café, torro o pão de forma. Coloco na janela o pão, agora forma de carvão. Espraio fumaça pelos vizinhos. Leio meia dúzia de manchetes no jornal, enquanto o iogurte escorre na roupa limpa. Por fim, saio atropelando meu próprio atraso. Feitiço do tempo nosso cada dia.

A maior conquista de paciência é ter paciência consigo mesmo. Aceitar as coisas como elas são, principalmente na cozinha, no meu caso. Ri melhor quem ri primeiro de si mesmo. E para os narizes sensíveis, digo que a fragância de pão tostado é novíssimo lançamento da coleção gourmet da Victoria Secrets.

Fim de semana, girando a roda



 




sexta-feira, 18 de março de 2011

Meu feliz duplo aniversário

Já tentei inúmeras vezes resumir a imensa alegria que estou sentindo. Mas constatei escassez de palavras. Completo mais um ano de vida, esse plenamente vivido. E ontem completei um ano trilhando um novo caminho que vem me proporcionando profunda paz e descobertas. Então agora, tenho duas idades (sendo que uma delas, eu minto para burro).

Só tenho a agradecer essa felicidade como há muitos anos não vivia. Agradeço minha família, amigos queridos e todos aqueles que me mandaram boas vibrações (tenho certeza que foram toneladas delas). E agradeço ao Google. Numa busca ordinária, ele indicou novos sentidos à minha história.

Dedico tudo o que conquistei a felicidade de todos. E não me agradeçam porque eu quero minha parte em iluminação. Estou emocionada, piegas, mas acho que hoje eu posso.

quinta-feira, 17 de março de 2011

É faca na meia-calça

Viver é assistir canal de compras, na televisão. Impossível receber tudo o que se promete. Fato já ilustrado pelo dilema clássico da publicidade (para a galera com mais de 30 anos), podem as facas Ginsu cortar as indestrutíveis meias Vivarina? 

O mais difícil é que para a vida não existe código de defesa para choramingar da propaganda enganosa. E nem Ambervision nos livra dessa imagem nociva. E para quem sentiu reacender a dúvida, cortar sim, desfiar nunca, as Vivarinas não desfiam.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Pais e filhos, economizando no analista

A vida social deles é mais intensa que a dos três filhos juntos. Recentemente, alugaram um cafofo em um camping para curtir novas baladas e amigos. Outro dia queimaram "merda de vaca" para saber qual era o barato. Voltam da praia torrados porque "esqueceram de passar protetor solar". Paizinho tem blog e agora raramente me pede para corrigir os textos.

E ser adulto, ao contrário do que se pensa, é o filho curtir ver os pais crescerem e se tornarem independentes. Sem mais cobranças e receitas de perfeição, somente companheirismo. De vez em quando, botar a mão na cabeça, se perguntar qual é a próxima que os malucos vão aprontar.

E eles são cada vez mais engraçadinhos...

terça-feira, 15 de março de 2011

Prozac em forma de mantra

Inferno astral e TPM deveriam ser proibidos de coincidir. Já que ainda não existe lei para isso, estou contando os dias para sair da minha sucursal privê do purgatório. 

Ainda mais em semana de auditoria, pouca gente entenderia se eu trabalhasse drogada. Então tenho tomado meu Prozac em forma de mantra e repasso a receita. Mesmo para quem não pratica o budismo, o mantra da Tara Verde tem o poder de gerar muita tranquilidade mental. 




Mantra significa proteção da mente em sânscrito. Além de imagens e palavras, são sons com o poder de gerar transformação mental. No budismo, ele protege a mente contra as aparências e concepções comuns, ou seja, contaminadas por impurezas mentais.

A Tara é um Buda feminino, manifestação da sabedoria última de todos os Budas. Tara significa "Libertadora". Por ser um Buda de sabedoria e uma manifestação do elemento vento completamente purificado, ela é capaz de nos ajudar muito rapidamente. A principal delas é a Tara Verde, mãe protetora dos praticantes kadampa.

Na vida espiritual, também precisamos de uma mãe. Tara é nossa Mãe Sagrada, a quem recorremos em busca de refúgio. Ela protege-nos contra os perigos interiores e exteriores, providencia todas as condições necessárias para nosso treino espiritual, guia-nos e inspira-nos com suas bênçãos ao longo do caminho espiritual.

Se confiarmos na mãe Tara com muita sinceridade e fé, ela nos protegerá contra obstáculos e atenderá todos os nossos desejos. Se recitarmos as 21 estrofes do mantra, receberemos benefícios extrordinários. Essas preces são muito poderosas, pois são o sutra, as palavras textuais de Buda. É bom recitá-las sempre que possível:

OM significa os sagrados corpo, fala e mente de Tara.
TARE Aquela que liberta do sofrimento verdadeiro.
TUTARE que elimina todos os medos.
TURE que concede todo o sucesso.
SOHA significa possa o significado do mantra enraizar-se em minha mente.

Extraído de: http://www.meditadoresurbanos.org.br/

quarta-feira, 9 de março de 2011

Dois cafézinhos e um quebra-cabeças

Quando minha faxineira soube que me tornei budista, foi dar a letra ao seu pastor e voltou horrorizada. Ele a preveniu que budista não acredita em Deus. Em síntese, uma religião pouco auspiciosa a seu ver. E assim, Buda lhe serviu de desculpa até para as barbeiragens que resultaram em objetos quebrados em casa. Tivemos algumas conversas e lhe emprestei um livro sobre o assunto. Sem muitas expectivas.

Na última semana, ela me perguntou como eu estava, enquanto aguardávamos ansiosas pelo café coar no início da manhã. Eu lhe disse que estava bem, muito feliz. E ela prontamente retrucou, é o darma, né? Darma, balbuciei surpresa. É, Lulu, sem dúvida, respondi disfarçando um sorriso, num grande gole de café.

A súbita sensação de realização foi a de encontrar o lugar de mais uma pecinha do quebra-cabeças, não sei se meu ou da simples mulher. Pequenas epifanias são como o aroma do café, tão presente,  nas manhãs apressadas, mas apreciado apenas quando a inspiração é um pouquinho mais profunda.

terça-feira, 8 de março de 2011

Pelo fim do dia internacional da mulher

Uma amiga, trainee de chef de cozinha, contou-me que quando foi admitida na cozinha de um grande hotel foi hostilizada pela equipe totalmente masculina. Chegou a ouvir que cozinha não era lugar de mulher. Afirmação de arrepiar a nuca de gerações passando por Dona Benta, Palmirinha à Nigella. O caso ilustra o papel mal resolvido da mulher contemporânea, mesmo em ambientes antes dominados por elas.

Sempre fui educada para ter carreira profissional, independência emocional e financeira. Mas, desde que me entendo por gente, na maioria dos almoços familiares, eu ajudava a tirar a mesa e lavar louça reclamando da ala masculina que ia cuidar de se espreguiçar e seguir a conversa em outro canto. Somos condicionadas a cuidar e servir mesmo que violentando nossa própria natureza.

E educamos gerações a tratar a mulher de forma utilitária. E não nos questionamos quando condicionamos até mesmo nossa imagem à um universo bem masculino de folhinha de parede de borracharia.

O Dia Internacional da Mulher é motivo de vergonha e tristeza, ainda que reconheçamos seu papel conscientizador. Em meio ao nosso simulacro moderno e ocidental de independência feminina, o dia nos lembra que ainda somos grandes vítimas de abusos físicos e morais e desigualdades sociais.

Adoro toda a força sensível e cercada de deliciosas futilidades que ser mulher representa. Deve ser muito triste para um homem não poder enlouquecer por alguns minutos por encontrar a cor do batom mais linda dos últimos tempos. Mas vou gostar ainda mais de ser mulher quando não houver sentido celebrar um dia internacional da mulher. Felicidade é desfrutar com igualdade de nossas diferenças.

Em tempo, a aprendiz de chef de cozinha hoje é a segunda na hierarquia da equipe enorme de homens. Por outro lado, na minha família, os homens ainda mal sabem manejar a esponja e o detergente.

Dai-me ziriguidum para suportar o telecoteco

Sou branquela por uma mudança de planos de última hora. A enorme quantidade de pintinhas pelo corpo revelam que a pintura não escondeu completamente o que a alma escancara. E depois de um desfile no sambódromo e um bloco de rua, eu me rendi a um sofá delicioso na minha casa. Mas já estou em síndrome de abstinência.

Será que confete vicia?

domingo, 6 de março de 2011

Ju Patinadora filosofando

Estou me achando a Lu Patinadora. Já tenho até minha turma de patins no parque. Idade média 17 anos. Os meninos me adotaram na galera pela cota de inclusão para dificuldade de locomoção.

Super queridos, já me deram várias dicas. Mas o maior aprendizado ainda é caiu, levanta o bundão, sacode a poeira e continua andando. Óbvio, mas tem que vencer o medo de arriscar e a vergonha de tomar um chão em público. E descobri que é mais difícil ficar parada do que deixar o caminho deslizar.

Filsófico para voltinhas de patins, né? Depois dou testemunho se os sucessivos tombos de bunda melhoram a celulite. Agora deixa eu tomar o meu Dorflex.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Poeminha de sonho

Almejar é sonhar coisas possíveis,
Sonhar é almejar coisas impossíveis,
E assim, impossível se torna possível.
adaptado da amiga Pulguenta, que eu amo tanto
Bom carnaval para todos!

Pede pra sair

Diariamente, dê três gotinhas de cicuta para o seu ego. E enquanto ele não se cala definitivamente, tranque-o num quarto, sem direito à tratamento especial. Não o alimente e não dê ouvidos às suas súplicas, pois simplesmente ele não existe. Seu maior inimigo é tão factível quanto o bicho papão.

Quando as coisas vão mal e nos deparamos com situações difíceis, tendemos a considerar a própria situação como o problema, mas na realidade todo problema que experienciamos vem da nossa mente, ensinou Geshe Kelsang Gyatso. O problema não está fora, ele está sempre dentro. Somos a própria caixa de Pandora. Enrole-a num saco e jogue-a no fundo do mar, e desfrute do tranquilo permanecer.

terça-feira, 1 de março de 2011

Troque seu PA por uma corrida no parque

Ultimamente, troquei  tentativas de manter um PA (quem não sabe o que é, pergunta prasamiga) por dois belos companheiros. São novinhos, bonitos e muito divertidos. Eles me levam onde quero. Já me deram alguns tombos, mas nada que não se possa resolver com um pouco de Gelol.

Sou a nova proprietária de um lindo par de patins, meu presente de aniversário muitíssimo adiantado. Estou feliz que nem criança. E o que isso tem com PA? É a tal da endorfina, neurotransmissor, liberado em atividades físicas, que geram euforia e bem-estar. Troquei sessões de sexo selvagem (ai, se mamãe me lê agora) por suaves deslizadas em dias ensolarados. O texto das coleguinhas vizinhas do 3xtrinta me fez pensar no assunto.

A sabida Paty chamou atenção para o fato de que, mesmo em relação à PA, "quando trata-se de algo assim, digamos, tão solto, deve haver ainda mais sinceridade. Se pararmos para observar, tem muito relacionamento informal onde impera muito mais respeito e sinceridade que vários namoros ou casamentos certinhos por aí". Sei bem do que ela fala, visto que fui casada com um hipócrita com discurso mais convincente do que muito santo.

Mesmo depois que me separei, a maioria dos homens que me relacionei era mais complicada que a minha avózinha de quase 90 anos. Carência, ciúmes, imaturidade, falta de transparência foram alguns defeitinhos incontornáveis para a manutenção de uma relação adulta. Mesmo eu me apegando mais fácil que chiclete no cabelo, achei que não valia a pena insistir.

A reclamação entre a mulherada é recorrente. Homem não sabe lidar com mulher independente, que tem casa, carreira, amigos e interesses próprios. E se ela quer apenas uma boa companhia, dá curto-circuito. Eles não estão preparados para exemplares do sexo oposto com os mesmos desejos desinteressados que eles, mesmo que eles não queiram compromisso. Enquanto a gente se liberta do estigma de que mulher é feita para casar, eles ainda estão começando a notar que alguma coisa já mudou.

Tive muito trabalho para me recuperar de um casamento horroroso. Mesmo assim, ainda acredito na união entre duas pessoas. Adoro conhecer histórias de casais felizes, observar velhinhos de mãos dadas, me emocionar em casamentos. Mas tudo isso vale a pena se tiver no mínimo transparência e companheirismo. Enquanto, não encontrar essas qualidades em outra pessoa, libero minhas endorfinas em deliciosos e desengonçados passeios sobre patins. E você, não sabe patinar? Vai correr, pedalar, escalar, dançar, ser feliz!

P.s.: PA= ponto de apoio, tradução da lindinha Bela