sábado, 31 de outubro de 2009

Samba de Luto

Desejo de amiga

A Ju de amanhã


Escrito por uma amiga muito querida

Hoje acordei com o voal da minha sala bafejando sobre mim um sopro de vida. Vi os raios de sol que se espremiam no chão e, ao fundo, ouvi o burburinho alegre das crianças na praça. Naquele momento, renasceu em mim a sensação, o olhar e o som. Meus pés descalços se dirigiram à porta. Peguei o jornal. Não li a manchete, mas ao me sentar prazerosamente no sofá notei que a melhor notícia do dia era a minha volta. De uma viagem longa e nebulosa, cheia de curvas perigosas. O retorno ao meu próprio templo, abandonado por uma vida irreal, encheu a minha sala de alegria. E coloriu as flores sobre a mesa, antes acinzentadas pelos meus olhos marejados. O telefone tocou. Era uma amiga perguntando-me se eu estava só. Respondi estar muito bem acompanhada. Ela desligou, crente que um novo Luis havia preenchido as gavetas vazias da casa abandonada. Mas não era Luis, João, Pedro ou José. Era apenas Juliana. Tão cheia de vida que mal cabia naquele lar, um dia casa imaginada e sonhada por dois. Era apenas eu, saindo do samba de uma nota só para o samba do avião. Voei naquele instante pelos cinco sambas de Lupicínio e relembrei os tempos de Cuca. Sorri ao ouvir o poeta dizendo "eu gostei tanto, tanto quando me contaram que lhe encontraram bebendo e chorando na mesa de um bar". A vingança correu pelos meus nervos de aço. E me lembrei: nada melhor que um dia após o outro. Nada melhor que uma simples manhã de domingo, onde o vento no rosto, o sol na espreita e as crianças na rua valem muito mais que um conto de ilusões, onde dois valiam por meio. Nada melhor que estar, finalmente, viva!

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Sessão 4: A carta - Claudinho sem Bochecha

Carta a um ex-quase-futuro-marido

Sobre nós dois, a gente só acerta quando diz que se arrependerá de algo que fez ou disse. Pois é, sempre me arrependo dos lagartos que saem da minha boca. Tem dias, que o pântano que eu sou está tão espesso e cheio, que a lama transborda em lágrimas, palavras duras ou dores.

Tenho tentado desesperadamente sobreviver ao trauma. Você era o lugar para onde eu voltava todos os dias, para onde eu ia, de onde eu vim. Busco outros caminhos, outras praias, outros portos dentro de mim. Olho as gavetas vazias, e tenho dó das coisas que não tiveram tempo de se assentar nos seus lugares novos. Essa dó das coisas, é um pouco da dó de mim. Não tive tempo de me assentar no meu lugar, onde tanto tempo lutei para chegar.


Tento preencher todos os vazios, deixo recados para eu ler quando voltar em casa. Espalho perfumes e coisas coloridas pela casa para tingir de novo tudo o que acizentou. Tem dias que a certeza de que as cores voltarão me falta. Como hoje e toda esssa semana.


Apesar de ter perdido os rumos, sei que tenho que seguir em frente. Aquele lugar que eu amava tanto não existe mais. Foi devastado por um tsunami repentino, que não consegui detectar e nem fugir. Perdi, na enchente, minha nova família, minhas certezas e minhas cores. As coisas bonitas que eu adorava ficaram irremediavelmente sujas de lama.


Eu sou a desabrigada, jogando tudo o que ama fora, com o coração dolorido, para reconstruir uma nova história. Não adianta tentar limpar porque o cheiro e as marcas não saem. Não adianta tentar voltar porque aquele lugar só lhe refrescará o trauma, o frio, o medo, mesmo que lá eu tenha sido muito feliz. Não quero voltar para essa terra devastada.


Não quero mais viver de ultimatos, incertezas, migalhas de companhia, planos solitários, contas mal acertadas. Mesmo em meu dias vermelhos, tentei construir um lar, uma família, um sonho. E tentei com atos, atitudes concretas. Mesmo que deslizasse quando os lagartos me escaparam pela boca, sempre estive lá, assentando cada tijolinho. Presente.


Não sei onde te perdi pelo caminho. Penso que nunca te ganhei de fato, nunca te conheci, nunca fui sua primeira opção. Não consigo entender o que passou. O amor da minha vida se matou, e agora um fantasma segue me assombrando pois não consegue se desvencilhar da vida anterior.


Rezo para que sigamos. Não quero que você seja infeliz, só não acho justo que você seja mais feliz do que eu. Será que Deus perdoa esse meu desejo?


Ele ouviu muitas das minhas súplicas, quando em desespero chorava de pânico de pensar em minha vida sem você. Ele encheu de ar meus pulmões, quando meu peito falhava de saudade. Ele me amparou quando acordei várias noites assustada procurando você na cama. Ele me mandou sonhos doces para que parasse de me culpar pelo o que sou, como sou. Segurou minha mão para girar a chave e entrar novamente naquela casa vazia. Sentou ao meu lado quando liguei ou escrevi aos fornecedores do casamento.


Ele me ajudou a trilhar esse caminho sem volta, agora não quero mais olhar para trás. As vezes, ainda tenho impressão de que tudo isso não passa de um sonho ruim. Mas Deus sussurra no meu ouvido: querida, é verdade, vamos continuar, eu te amo.


Quero olhar adiante e acreditar que o futuro será acolhedor. Fazer novos planos, elaborar novas soluções. Esquecer a cena - eu naquele vestido de noiva, linda como nunca! Linda! Eu e minha mãe com os olhos cheios d´água, e era somente uma prova. Imagina se tivesse chegado no dia? Acho que se você tivesse visto, não teria tido coragem de destruir tamanha delicadeza.


No fundo, uma gota de auto flagelo, diz para mim: tanta beleza, tamanha felicidade, não podia ser para você. E luto todos os dias contra esse desencanto. Confesso que ainda não sei como recomeçar. Quando parece que estou aprendendo novamente a nadar, afundo. Mas aceito todas as bóias que a vida possa me entregar agora.


Você matou nossa beleza, estrangulou o que era amor, eu fiquei com a incumbência de providenciar o velório. Agora, deixe-me enterrar minhas dores, completar o meu luto, recompor a minha esperança. Não quero olhar mais para trás, tentar reanimar um relacionamento inerte, com uma pessoa que não conheço e não mais confio, apesar de tantos anos juntos.


Não imaginaria nunca que a trilha sonora do nosso amor deixasse de ser Claudinho e Bochecha. Mas a vida assim o quis, e não luto mais contra isso. Como não poderia deixar meu amor inconteste ao samba (espero que esse nunca me abandone), despeço-me de você com Noel Rosa. Espero que um dia possa ouví-lo e sentir pulsar um pouco do que se passa no meu coração.




Silêncio de um minuto
Noel Rosa
Composição: Noel Rosa

Não te vejo e não te escuto
O meu samba está de luto
Eu peço o silêncio de um minuto
Homenagem a história
De um amor cheio de glória
Que me pesa na memória
Nosso amor cheio de glória


De prazer e de emoção
Foi vencido e a vitória
Cabe à tua ingratidão

Tu cavaste a minha dor
Com a pá do fingimento
E cobriste o nosso amor
Com a cal do esquecimento

Teu silêncio absoluto
Obrigou-me a confessar
Que o meu samba está de luto
Meu violão vai soluçar


Luto preto é vaidade
Neste funeral de amor
O meu luto é saudade
E saudade não tem cor

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Um chute da Bellinha

Da minha prima e da minha priminha que vai nascer:

"Todo dia, pode ter certeza, você está nas nossas orações. A Bellinha chutou e falou "Tia Juju, eu amo vc!". Fica bem prima e vamos nos falando, tá? Beijos".

Vocês estão tão longe, mas fiquei tão feliz! Vai um beijinho virtual.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

No ar, antes de mergulhar

Seguro a respiração. Superfície quente ou fria. Arrepio. Mas não dá para voltar atrás.

Amanhã, dia de decisão antes do feriadão.

domingo, 4 de outubro de 2009

Mateus

Hoje conheci o Mateus. Ele é neto da vizinha da nossa casa no interior de SP. Jogamos algumas pedras e coquinhos para o cachorro pegar, comemos amora e pitanga do pé. No meio da nossa catação de frutas, Mateus perguntou se eu queria ser sua amiga. Sem titubear, respondi que já era sua amiga.

O único problema do Mateus é que ele só pode tomar sorvete na primavera e no verão. Mas concluímos que ele está com sorte, a primavera acaba de começar.

Eu também estou com sorte. Voltei aos meus seis anos, junto com o Mateus, e a primavera acaba de começar.