quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A cega

O tiquetitar parecia um relógio descompassado. Mas era a bengala de uma cega. Ela atravessava a rua levada pelo braço por um carteiro.  Um ponteiro vacilante, no escuro, tateava caminhos, pelas últimas horas do ano. Terminava o dia 31 de dezembro.

 Meu estômago gelou, enquanto as mãos suavam ao volante, aguardando o semáforo abrir. 

O carteiro a deixou no ponto de ônibus e se despediu. Como uma entrega, sem remetente ou destinatário. O homem seguiu e a cega manteve diálogo solitário. Como saberia qual ônibus tomar? Não se cansava de balbuciar frases. Onde iria aquela hora em total escuridão? E o maldito farol se demorava em mudar.

Quando o semáforo abriu, acelerei. Fugi. Sem coragem de encarar o retrovisor. Onde eu iria em minha total escuridão? Durante a queima de fogos naquela noite, experimentei fechar os olhos. Pois era assim que a cega me mostrou ser.

2 comentários:

  1. Que maravilha é o olhar humano. Vi o mesmo fato e vivenciei de forma diferente. Adorei o teu tiquetitar de emoções.
    Como você já disse: os olhos são os espelhos da alma.

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  2. Pois é, uma alma ainda um tanto conturbada, né.

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