quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Da arte de perder

Já perdi tanto que hoje encubro as ausências com uma alegria moldada. Seguro firme meu sorriso de plástico. E porto olhos em recortes bem pequenos que só possam mirar para frente. 

Das memórias, preferi inventá-las a guardá-las.Inventei primeiro aquilo que um dia foi dor e desalento. Reservo sem retoques apenas o que me diz quem sou.

E sigo  assim cada vez mais hábil na arte de perder. Por que o que começou como acidente, desenvolveu habilidade e se tornou um hábito.

Sou um apostador na mesa de pocker de um cassino escuro, numa tarde de quarta-feira. Sempre dobrando as apostas na esperança de recuperar o fracasso da rodada anterior.

E embora sempre doa, viver é acostumar-se com a latência da perda.



Uma certa arte – Elizabeth Bishop (tradução de Nelson Ascher)
A arte da perda é fácil de estudar:
a perda, a tantas coisas, é latente
que perdê-las nem chega a ser azar.
Perde algo a cada dia. Deixa estar:
percam-se a chave, o tempo inutilmente.
A arte da perda é fácil de abarcar.
Perde-se mais e melhor. Nome ou lugar,
destino que talvez tinhas em mente
para a viagem. Nem isto é mesmo azar.
Perdi o relógio de mamãe. E um lar
dos três que tive, o (quase) mais recente.
A arte da perda é fácil de apurar.
Duas cidades lindas. Mais: um par
de rios, uns reinos meus, um continente.
Perdi-os, mas não foi um grande azar.
Mesmo perder-te (a voz jocosa, um ar
que eu amo), isso tampouco me desmente.
A arte da perda é fácil, apesar
de parecer (Anota!) um grande azar.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

No meio do caminho, tinham umas pedras

Eu tinha muito pavor de fazer caminhadas em trilhas na natureza. Sentia uma gastura enorme de não conseguir chegar ao fim. Era medo de me cansar no meio do caminho, de me machucar, e descobrir que a jornada da volta seria tão longa quanto ao caminho que me levaria ao ponto final da trilha. Esse ponto de não ter como voltar atrás me desesperava. Ainda mais porque eu não conseguiria chamar o resgate, que me levaria de helicóptero direto ao Hospital Santa Catarina, no coração da avenida Paulista.

Assim fiz trilhas na serra da Bocaina, na serra do Mar - foram as maiores e mais espetaculares. Mas sempre com uma espécie de pânico que não me deixava gozar das paisagens, cachoeiras, cheiros e sons da empreitada. Na trilha de mais dias, na Bocaina, eu consegui tomar mais banhos nas paradas de pouso do que se estivesse na conforto da minha casa. Era a necessidade de estar limpa e penteada para encarar mais um dia embaixo de chuva, escorregando nas pedras enlameadas. Na serra do Mar, eu sempre fui a última, reclamando do cansaço para uma turma de velhinhos aposentados que nos acompanhava.

Mas o tempo me ensinou a aproveitar as trilhas. Aprendi a ter tranquilidade para curtir o caminho, mesmo estando ciente de todos os riscos e esforços a serem enfrentados. E cada pequena escalada, ralada no joelho e banhos de cachoeira tornaram-se grandes satisfações em encarar esses pequenos desafios.

Dessa forma, uma pessoa descoordenada como eu pode seguir adiante por trilhas acidentadas aproveitando cada pequena superação. Não, eu não vou escalar o Everest para entender melhor o sentido dos desafios da vida. Já está de bom tamanho esse micro aprendizado das minhas pequenas aventuras aliada à minha grande habilidade de trupicar nas menores e maiores pedras do caminho.

E assim, trilhemos.



quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Terapia de boteco

- Quando o atendimento melhorar, a gente para de vir aqui.

Todos na mesa concordaram, enquanto tentava chamar o garçom pela décima vez.

O meu amor por lugares com ótima comida ou diversão, mas com garantia de péssimo atendimento deve dizer muito sobre a minha pessoa.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Em tempos de egos inflados, quer colocar a vida em perspectiva? Converse com seus pais sobre a sua vida:

- Seu maior erro foi ter passado tantos anos com Fulano. Ah, se você não tivesse perdido tanto tempo...

- Aquilo que você fez, podia ter dado certo, mas estava na cara que ia dar errado. Eram favas contadas.

Vou ali desfilar com minha fantasia de looser e já volto, tá gente?


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Descarte seletivo

Não contém sequer refil. Por favor,  não me faça tão descartável. Descarte de gente também deveria ser uma atividade consciente tanto quanto com coisas.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Para economizar na terapia

Toda palavra escrita tem que doer e curar. Deixar chorar e sorrir. Fazer chover na manhã de domingo. Deixar teclar o coração, principalmente, nos dias que parece que não sobra ninguém para ouvi-lo.

Hoje, chove lá fora e aqui dentro. Procuro a cura para toda a minha falta de desejo. Não aquela ausência bonita de quereres que os budistas buscam. Uma ausência pesada do cansaço de tantos dias cheios de dificuldades.

Talvez seja só TPM, de qualquer forma, eu só escrevo para economizar na terapia.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Salve Rainha do Mar

Sinto tanto enlevo só por ser o seu dia.
Água de cheiro, flor e pente.
Em minha barquinha, hoje eu te mandaria.
Mas, não tenho mar para te agradar.
Então lanço em palavras minhas oferendas.
Que Janaína siga sempre bela e contente.
Querida Yemanjá vem nos abençoar.
E trazer alegria para essa vida de contenda.